Um velho caminhava por Lisboa, andando a esmo, tentado se distrair da tarde que nunca acabava. Sentou-se no primeiro café que encontrou, com mesinhas na rua e pediu qualquer coisa que tivesse cafeína e não tivesse espuma. Lembrava-se desse mesmo café há dez anos, e sentia falta da calmaria que existia então por ali. Agora todas as mesas estavam lotadas apesar de ser apenas três horas da tarde, e ele tivera sorte de conseguir lugar sozinho, a maioria das pessoas dividia suas mesas com desconhecidos. Em sua mente persistia a imagem de apenas algumas mesas ocupadas, muitas delas ocupadas por pessoas a lerem ou a estudarem, ao invés das tecnologias que a maioria utilizava ali. Quase se arrependeu de não ter trazido um livro para ler, no entanto ao se dar por conta da agitação da rua e das pessoas, que mesmo no falar ao telefone não mantinham a voz baixa, percebeu que não conseguiria ler sequer uma página naquele tumulto. Era triste não haver mais espaço nem silêncio. E mais triste era ele não ter para quem voltar.
Pouco depois de sua bebida ter chegado, ele foi distraído de suas divagações por um "com licença" quase mudo, educado, tímido. Assentiu sem olhar o novo companheiro de mesa, ainda a observar os outros que se agitavam no café esquecidos do silêncio. Demorou algum tempo, depois de ter ouvido o movimento da cadeira em sua frente, para que ele olhasse o - a companheira de mesa. Uma moça jovem, ainda mais jovem se comparada com a conta dos anos do velho, silenciosamente lia um livro, parecendo perturbada pelo alvoroço ao redor. Ao sentir que o velho a observava, levantou os olhos e sorriu levemente, voltando à leitura. O velho ficou paralisado, Havia tanta gentileza naquele pequeno sorriso que ele quase voltou a acreditar na bondade de estranhos. Tentou seguir a observar os outros, a pensar no passado, a reclamar do presente, mas volta e meia sentia os olhos escuros da moça pousarem sobre si. E de momento em momento foi ficando impossível não olhar de voltar, não tentar desvendar o que diziam aqueles olhos tão escuros, pequenos, que pareciam tentar desvendá-lo. A transição dos olhares fugazes ao olhar contínuo transcorreu sem que nenhum dos dois o percebesse.
O livro dela jazia fechado e esquecido há tempos quando, num gesto frágil, ela estendeu a mão para tocar a dele. Tudo no corpo dele insistia em recuar, mas sua mão permaneceu imóvel, estremecendo levemente ao toque suave da mão dela. Com um olhar urgente, ela levantou, puxando-o pela mão sem nada dizer, a pedir silenciosamente que a seguisse, e já não havia mais "nãos" no velho. Andaram por algumas ruas, os passos dela crescendo, ele sofrendo quando os passos mais rápidos, algumas subidas, mas a visão das pernas e o vestido que dançava por entre as coxas conforme ela andava apressada pareciam lhe dar um fôlego que ele acreditava perdido para sempre.
A moça o conduziu por uma escada estreita, no fim de uma rua silenciosa e aparentemente inabitada. Ela só largou a sua mão para procurar na bolsa amarela pelas chaves, parecia desastrada a revirar a bolsa e fazer os objetos dentro dela uma bagunça. Arrumou uma mecha de cabelo que lhe caía ao rosto quando finalmente encontrou a chave e abriu a porta, segurando-na aberta para que ele entrasse. Olharam-se por um longo momento de hesitação, como se só agora se dessem por conta que haviam saído do café e não se conheciam. Ele deu o primeiro passo para segui-la sem pensar duas vezes - o pensar jazia esquecido no café.
O quarto era pequeno, era bom. Tudo tinha cores quentes mas o sol das três horas entrava oblíquo ali, era só uma claridade dourada, que não machucava. Isso foi tanto o quanto ele foi capaz de perceber antes que sentisse os lábios macios, quentes nos seus, e fosse surpreendido pela suavidade intensa com que aquela menina o beijava. Segurou-lhe a cabeça e o sentir daqueles cabelos macios entre seus dedos por si só já era um carinho. O vestido foi esquecido ao chão, a cama pareceu se aproximar e não mais que de repente ele estava ali, deitado, com ela dançando sobre si, vagarosa, lânguida, os pequenos peitos brancos a balouçar suavemente com os movimentos das ancas. Os cabelos castanhos deslizavam por sobre os seios, as mãos a repousar no ventre dele...ela por vezes fechava os olhos, sempre em silêncio, por vezes deixando escapar um suspiro sôfrego. Ele a puxou para si e então pôde ver as sardas sobre o nariz, os traços delicados de menina, a intensidade de mulher da vida. Nem antes nem depois do momento extremo ele pôde perceber que ela lhe lembrava de sua mulher, ainda quando se casaram, e nem antes nem depois ela o beijou nos lábios.
A moça deitou em seus braços, ofegante, e nele tudo latejava, tudo fervilhava como ele nem lembrava ser possível. O que mais latejava, no entanto era o encantamento pela delicadeza da moça, pelos mamilos róseos, pelos movimentos suaves, pelo olhar infinito. O vestido de pequenas florzinhas infinitas jazia esquecido no chão, o cinto muito velho, os sapatos que sabiam melhor que eles os caminhos de Lisboa, tudo repousando em paz, tudo em silêncio. Antes mesmo que ele pudesse desejar morrer ali, a moça levantou dos seus braços e andou nua até uma peça contígua, provavelmente um banheiro. O velho ficou imóvel, tentando preservar aquela sensação de imensa quietude plena que estava dentro dele. Entretanto o barulho cotidiano de um chuveiro ligado pareceu desconectá-lo permanentemente desse estado. Sentou-se na cama, a observar as sandálias de salto fragilmente derrubadas, a bolsa no chão, o tapete abrigando tudo do chão frio. Repentinamente, soube que devia partir, que devia guardar tudo aquilo em si apenas ou senão desapareceria, então automaticamente se vestiu e se dirigiu à porta. Hesitou ao entrever a moça a se enxugar sem pressa, porém sabia que era necessário seguir caminho.
Ganhou o dia e o sol o cegou. O ar parecia mais leve, mais fresco do que antes de entrar ali. Estava descendo os degraus quando um homem passou pelo seu lado e bateu na porta atrás de si.
- Luiza, já chegastes? Luiza, anda!
Não houve resposta. O velho murmurou para si mesmo "Luiza", saboreando as letras, "Luiza" era a dança daquele corpo róseo sobre o dele, "Luiza" era o olhar infinito. Seguiu caminho de volta para casa. E nunca a encontrou.